segunda-feira, 8 de junho de 2009

Crianças que assistem a agressões têm cada vez mais lugar nas Comissões de Protecção

Ana Cristina PereiraCelebrou dois anos segunda-feira. Balões coloridos ainda pendem do candeeiro da sala. Chora quando a técnica da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens Porto Oriental (CPCJ) lhe pergunta pelo pai. Foi sinalizada na sequência de uma denúncia de violência doméstica. "A PSP avisa a CPCJ sempre que há crianças num caso de violência doméstica", explica a presidente daquela estrutura, Joana Trigó. Nem é preciso haver indícios de que lhes bateram. Basta as crianças assistirem às agressões no seio da família.
O relatório da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco elenca as problemáticas mais frequentes em 2008: negligência (10.205 processos), exposição a modelos de comportamento desviante (4696), abandono escolar (4085), maus tratos psicológicos/abuso emocional (3611) e maus tratos físicos (2081).
Os maus tratos psicológicos/abuso emocional estão a ganhar fôlego. Na CPCJ Porto Oriental, já representam 45 por cento dos processos. O ano passado, pela primeira vez, esta problemática ultrapassou a negligência. Há cada vez mais casos deste género a entrar, salienta Joana Trigó. Graças, sobretudo, às forças de segurança que começaram a valorizar os efeitos da violência indirecta no desenvolvimento das crianças e jovens. Por vezes, "a mãe é ameaçada". Se resiste, o filho é penalizado.
Na CPCJ, uma menina de oito anos e meio entretém-se com um livro, enquanto a mãe fala com uma técnica num gabinete distante: "É um livro sobre pássaros que piam e fazem muito barulho." A mãe há-de sair, aliviada, daqui a bocado. A queimadura vista numa das suas crianças foi mesmo acidental. Cada pessoa, ali, parece assoberbada de trabalho. A educadora social Fátima Vilela regressa de uma comunidade terapêutica aonde foi levar uma mãe e uma criança de 18 meses. Dedicou o dia de hoje a dois processos. Na sua secretária, acumulam-se pastas: soma 94 processos activos. Atrás dela, e atrás de outras técnicas, caixotes com tiras de papel com os dizeres: "Visitas domiciliárias", "processos convocados", "aguarda informação", "processos com reunião agendada", "processos com medidas aplicadas".
Esta é uma das CPCJ com maior volume de processos do país. Gere mais de 500 processos. Fátima Vilela, como outros técnicos, angustia. "Tantas crianças para proteger!" E se enquanto acode uma, outra se perde?
Há 281 CPCJ no país a tratar da vida de mais de 60 mil crianças e jovens em risco. Há quem as veja como grupos de "bruxas" que tiram filhos. Por vezes, não têm remédio. Ainda na sexta-feira, esta CPCJ retirou duas. Uma criança de três meses já fora hospitalizada duas vezes com baixo peso e o irmão, de dois anos, sobrevivia graças à caridade dos vizinhos.
A técnica Natália Nascimento fez "como manda a lei": procurou uma alternativa no seio da família, não encontrou quem quisesse e pudesse ficar com os miúdos; procurou uma alternativa entre os vizinhos, também não encontrou quem quisesse e pudesse ficar com eles; meteu-os num centro de acolhimento temporário. O trabalho começa agora.
Irá trabalhar com a família, a ver se as crianças podem regressar quanto antes: separar os pais da avó, que lhe parece "desestabilizadora", integrar o pai nas consultas de alcoologia e a mãe nas consultas de psiquiatria...

Fonte: Jornal Público de 4 de Junho de 2009

Sem comentários:

Enviar um comentário