domingo, 28 de fevereiro de 2010

Pobreza deixa marcas biológicas nas crianças

por FILOMENA NAVES
Primeiros cinco anos de vida são decisivos para o desenvolvimento cerebral e a carência extrema produz sequelas irreversíveis

A teoria política já o disse e a psicologia mostrou-o: a pobreza que afecta as crianças tem efeitos negativos e duradouros no seu desenvolvimento. Mas agora um ambicioso estudo de cientistas norte-americanos conseguiu ir mais além, ao demonstrar que essa condição se repercute a nível neurobiológico e na saúde para o resto da vida.
Os resultados foram apresentados na conferência da American Association for the Advacement of Science, na Califórnia, e os autores apontam a necessidade de novas estratégias sociais para prevenir o problema.
"A pobreza pode modificar profundamente a neurobiologia da criança muito pequena, porque ela está em desenvolvimento", afectando todo o percurso da sua vida, afirmou o sociólogo Greg Duncan, da Universidade da Califórnia, um dos autores do estudo.
O pediatra e investigador Thomas Boyce, da Universidade de British Columbia, no Canadá, e co-autor, explicita: "Descobrimos que as crianças que crescem em ambientes desfavorecidos reagem ao stress de forma desproporcionada, e conseguimos medir isso através de avaliações hormonais e neurológicas, utilizando scaners cerebrais, e mais recentemente com análises genéticas."
São múltiplos os níveis de complexidade e a dimensão que estes efeitos da pobreza podem atingir, segundo os autores. Eles podem repercutir-se nas principais funções biológicas, ou em circuitos específicos do cérebro e até no mecanismo molecular que activa e desactiva as funções dos genes, adiantam.
Para medir o impacto sócio-económico daquelas sequelas biológicas - a "biologia da miséria", como lhe chamou Jack Shonkoff, especialista em desenvolvimento infantil da Universidade de Harvard - Greg Duncan analisou os rendimentos médios e a duração do emprego de 1589 adultos nascidos entre 1968 e 1975, nos EUA. E avaliou também os rendimentos das famílias de cada um deles durante os cinco primeiros da sua vida, um período decisivo para o desenvolvimento cerebral. Isso envolveu a observação de vários parâmetros, desde a educação escolar ao número de horas de trabalho, tipo de alimentação, apoios sociais, estado de saúde e história judicial.
Segundo os autores, este foi o primeiro estudo com medições sistemáticas deste tipo nos EUA, o que permitiu quantificar conclusões. Exemplo: um aumento de três mil dólares anuais nos rendimentos de uma família pobre, através de um apoio social, quando há filhos com menos de cinco anos, traduz-se mais tarde num aumento de 17 por cento nos rendimentos destes filhos quando já são adultos trabalhadores. Estes tendem a uma maior estabilidade laboral também.
Referindo-se à realidade dos EUA, os autores sublinham que as suas conclusões "mostram que as políticas de apoio social a famílias desfavorecidas com crianças pequenas produzem resultados tangíveis". Esta conclusão não será difícil de generalizar.

Fonte: http://dn.sapo.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1502687

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